20 de abril, 2024

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‘Não se combate a fome dizendo que ela não existe’, diz José Graziano

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Diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) até o mês passado, o engenheiro agrônomo José Graziano afirmou que “não se combate a fome dizendo que ela não existe”. Ele defendeu ainda os programas sociais de transferência de renda. “Se tirar (esses programas), voltaríamos a ter números na ordem de 20 milhões ou mais que passam fome”, afirmou Graziano.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro causou polêmica ao dizer que é “uma grande mentira” que pessoas passam fome no Brasil. Questionado, recuou e afirmou que “alguns passam fome”. “Adotou-se (em governos anteriores) que distribuição de riqueza é criar bolsa. É o país das bolsas. O que faz tirar o homem da miséria é o conhecimento”, declarou Bolsonaro na ocasião. “A historiografia da fome é real, tem uma base, não foi inventada”, disse Graziano ao jornal O Estado de S. Paulo.

O sr. assumiu a FAO em 2011. O que mudou no mundo desde então no combate à fome?

Nós conseguimos uma redução substancial da fome, se você comparar aos anos 2000, quando falávamos em 1 bilhão de pessoas passando fome. Nós estamos hoje falando em 820 milhões. Foi um grande progresso. Isso se deve em grande parte a uma mudança de estratégia: o combate à fome antes era direcionado exclusivamente ao aumento da produção agrícola, à disponibilidade de alimentos. Achava-se que as pessoas passavam fome porque não tinham alimentos. Isso é só parte das verdade. Hoje a maior parte das pessoas que passa fome não é porque não têm alimentos. O mundo produz hoje mais do que o suficiente para alimentar toda a população mundial, ainda joga fora um terço da produção. Hoje o grande problema é o acesso aos alimentos, as pessoas não têm como pagar, porque não têm emprego ou terra para plantar. Ou porque uma seca destruiu a terra que tinha.

Qual o impacto da crise econômica na segurança alimentar?

Total. Da nossa análise, 85% dos países em desenvolvimento têm na crise econômica um elemento central no aumento da fome. Isso é particularmente visível na América do Sul, a região que mais sofreu com a crise. Estava crescendo muito rapidamente, exportadora de matérias-primas, commodities agropecuárias. Com a redução da demanda na China e a queda do preço das commodities, isso veio abaixo. E os países reduziram a cobertura de programas sociais. A América Latina chegou a ter 120 milhões de pessoas beneficiadas por programas de transferência de renda. Hoje, por mais que se mantenha o número, os valores são menores em termos reais, não tiveram reajuste, pararam de crescer. E aumentou o desemprego. Isso deixa essas populações expostas.

Qual importância de programas de transferência de renda?

A Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE mostra que 28 milhões de pessoas no Brasil hoje têm alguma forma de desocupação. Essas pessoas não têm acesso a uma renda que propicie alimentação adequada. Ou são subnutridos ou candidatos à subnutrição. Se tirar programas sociais de transferência de renda, voltaríamos a ter números na ordem de 20 milhões ou mais que passam fome. Felizmente, o Brasil mantém uma cobertura social que impede que isso aconteça.

Há risco de o Brasil voltar para o mapa da fome?

O ponto mínimo da fome no Brasil foi em 2013, 2014, que foi o ponto mínimo do desemprego. A partir daí, o desemprego dispara e a fome começa a crescer. Olhando para trás, temos 400 mil, 500 mil pessoas a mais passando fome no Brasil comparando com o ponto mínimo em 2013. O Brasil ainda não voltou ao mapa da fome e espero que não volte. Mas, para isso, precisa ser levado a sério. Não se combate a fome dizendo que ela não existe. Tem que ter uma política ativa de combate à fome, tem que ser parte das preocupações centrais. Não estou falando apenas do governo federal, não. Também dos governos estaduais, sociedade civil, setor privado. Ninguém se beneficia com a fome. O único número aceitável é zero.

O presidente Jair Bolsonaro disse que ninguém passa fome no Brasil e, depois, voltou atrás.

O presidente é do Vale do Ribeira. Não sei se ele costuma ir lá, mas é um dos grandes bolsões de fome no Estado de São Paulo. É um lugar onde a fome sempre foi um problema. Toda essa historiografia da fome é real, tem uma base, não foi inventada. Hoje eu diria que no Brasil o problema da fome está relativamente equacionado. Há fome, há bolsões de fome, mas a gente sabe onde está e o que tem que fazer. O grande problema são as formas de má nutrição: anemia nas mulheres, nanismo nas crianças e a obesidade nos adultos.

O sr. já declarou que o combate à fome não deve ter ideologia…

Acho um pouco cedo para avaliar o governo Bolsonaro. Ele tem tido um componente ideológico em muitas de suas ações, mas eu prefiro dizer que não podemos ter ideologia no combate à fome. Não podemos submeter um direito fundamental à pergunta se o cara é de direita ou esquerda, se é do PT ou não é. Isso não pode ser o parâmetro de decisão.

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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