23 de abril, 2024

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A obsolescência das instituições do trabalho

José Pastore

Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/07/00

No mês passado (Junho de 2.000), quando um colega americano visitava as luxuosas instalações de uma companhia de seguros no centro de Manhattan, em New York (350 funcionários), foi informado que a empresa decidira sair daquele lugar devido aos altos custos de operação.

Ele imediatamente disse: Aposto que vocês vão para New Jersey (estado vizinho), onde todos os custos são mais baixos, inclusive impostos. Ficou surpreso ao saber que a matriz estava de mudança para Dublin, na Irlanda, e a filial de San Francisco (250 funcionários) para Bombaim, na Índia, onde tudo é muito mais barato do que New York ou New Jersey e, por cima, têm gente educada e que fala inglês.

Isso ilustra a dramática revolução por que passa o trabalho. Hoje em dia, já não se sabe onde são feitos os produtos ou realizados os serviços. É a globalização do mercado de trabalho. Em 1961, 4% das roupas vendidas nos Estados Unidos eram importadas. Hoje, são 65%.

Direta ou indiretamente, os empregos do mundo inteiro estão sendo expostos à competição internacional. Não há jeito de segurá-los neste ou naquele lugar. Eles chegam, ficam um pouco e saem, como fazem os viajantes. Os sindicatos não conseguem controlá-los, restando-lhes uma débil posição defensiva.

Isso tudo tem um tremendo impacto nas instituições trabalhistas. Nesse quadro, a negociação coletiva já não funciona. As leis nacionais muito menos. O trabalho, antigamente chamado “atípico”, vai se tornando cada vez mais típico. Milhares de novas atividades e profissões não se enquadram nas leis existentes. É o caso, por exemplo, do tele-trabalhador, do “personal trainer” e do professor que ensina inglês a executivos na hora do almoço. Nenhum deles é empregado ou micro-empresário. Qualquer tentativa nesse sentido é artificial.

Embora a relação de subordinação entre empregado e empregador ainda é a mais comum, ela está em franco declínio. No novo mercado de trabalho há de tudo: trabalho casual, intermitente, em tempo parcial, subcontratado, terceirizado, realizado em grupos, em cooperativas, por conta própria, por tarefa, por projeto, etc.

O nascente mundo do trabalho contrasta com o cadente mundo do emprego. O trabalho se espalha por todo o planeta e, ao mesmo tempo, se diferencia. As leis nacionais ficaram irrealistas. As convenções internacionais mais ainda. Afinal, elas foram feitas para o mundo do emprego onde existiam, claramente, o empregado, o empregador e o Estado.

Hoje, em dois terços dos países do mundo, a maior parte das pessoas está fora da relação formal de emprego. Ironicamente, essa inescondível maioria não tem voz ou voto nas instituições nacionais e na OIT.

No Brasil, o mercado informal já atingiu 60%. Uma parte é fraude, é verdade. Mas a maior parte decorre de (novas) formas de trabalhar que não se ajustam às leis atuais. Como consequência, as pessoas são forçadas a viver sem as proteções convencionais – todas atreladas ao emprego formal. Por exemplo, só pode receber seguro-desemprego ou FGTS, ou se aposentar, quem teve emprego.

Com encolhimento do mundo do emprego e expansão do mundo do trabalho, não só o trabalhador se desprotege, mas a seguridade social se descapitaliza, abrindo gigantescas crateras nas finanças públicas, o que reduz ainda mais a capacidade do Estado proteger quem mais precisa – jovens, mulheres, idosos e camponeses.

Esse é o problema: Como proteger as novas formas de trabalhar que não têm nada a ver com o emprego? As instituições existentes tornaram-se obsoletas e não estão sendo substituídas por outras. Na sociologia, isso recebe o nome de crise institucional.

As poucas mudanças no campo do trabalho têm sido lentas, tímidas e desorientadas. Entre nós, onde a informalidade não pára de crescer, enquanto as reformas são feitas na base do stop-and-go. Avançam quando a crise se agrava, e são esquecidas quando a economia se reaquece.

Neste ano, em que o Brasil voltou a crescer, paira no ar a sensação de que o problema trabalhista foi superado. Pura ilusão. Os dados são alarmantes. Nos últimos 12 meses foram criados 822 mil empregos, mas apenas 62 mil com carteira assinada.

A bomba-relógio continua armada. E, daqui para frente, o trabalho será cada vez mais exercido nas novas modalidades – sujeito à internacionalização, escapando das regras convencionais e causando graves danos aos trabalhadores e à seguridade social.

Se o problema continua instalado, o debate não pode parar. Alguma solução tem de ser encontrada. Seria bom aproveitar a calmaria atual e a entre-safra eleitoral do ano 2.001 para se desenhar e implantar as instituições que darão sustento à proteção que trabalhadores e Estado tanto precisam no campo do trabalho. A inércia de hoje, será cobrada como inépcia amanhã.

 

 

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