20 de abril, 2024

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Ciência e Política

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Com a mesma ênfase que defendeu no passado o uso da malfadada “pílula do câncer”, apesar de não ter formação em medicina, o presidente Jair Bolsonaro vem propondo o uso da hidroxicloroquina como o remédio mais eficaz para conter a pandemia do novo coronavírus. “Há 40 dias venho falando sobre isso. Sempre busquei tratar da vida das pessoas em 1.° lugar, mas também se (sic) preocupando em preservar empregos. Fiz, ao longo desse tempo, contato com dezenas de médicos e chefes de Estados de outros países”, disse ele nessa quarta-feira, após criticar pelo Twitter dois conhecidos médicos que se recusaram a divulgar o que os curou da covid-19.

Além de sugerir que tomaram remédios com base na hidroxicloroquina, Bolsonaro alegou que eles se recusaram a prestar essa informação por assessorarem o governador João Doria, seu adversário político. “Esse segredo não combina com o Juramento de Hipócrates que fizeram. Que Deus ilumine esses dois profissionais, de modo que revelem para o mundo que existe um promissor remédio no Brasil”, concluiu Bolsonaro.

A insistência de Bolsonaro em apresentar a hidroxicloroquina como “remédio promissor” dá a medida do modo como vem se comportando no combate à pandemia da covid-19, privilegiando seus interesses políticos. Ao recomendar o uso desse medicamento “promissor” baseado em seus “contatos com médicos e chefes de Estado”, mostra que não conhece o que é a ciência nem como se desenvolve o trabalho científico. Deixa claro que não sabe que a ciência trabalha com erros e acertos e que a busca de respostas costuma se dar pela elaboração de hipóteses e formulação de novas perguntas.

Todas as vezes em que surgem novas doenças e epidemias, a ciência oferece cenários e sugere medidas de controle enquanto os pesquisadores se esforçam para isolar o vírus em laboratório para compreender a doença e desenvolver vacinas e tratamentos. Esse processo é complexo, exigindo respeito a protocolos, publicações de artigos em revistas especializadas e intensos debates entre pesquisadores, até chegar a um consenso na comunidade científica. O tempo da ciência, pois, é incompatível com o tempo da política.

Na ciência, as pesquisas têm de ser públicas, para que possam ser discutidas, contestadas e aprofundadas. Elas só conseguem avançar, convertendo suas descobertas em bem comum para a humanidade, com base em fundamentos empíricos. Já na política costumam prevalecer decisões açodadas, tomadas com enviesamento ideológico e relevando verdades científicas consolidadas.

Se a relação entre ciência e política já é tensa em tempos normais, nas áreas de ciências biológicas e de saúde essa tensão é ainda maior em tempos de pandemia. Entre outros motivos porque, enquanto os governantes tendem a pensar apenas em sua popularidade e seus projetos eleiçoeiros, os cientistas têm de deixar de lado indagações que fazem em períodos de normalidade para buscar novas fontes de recursos e desenvolver às pressas novos projetos de pesquisa. Como revelam números da Web of Science, compilados pelo professor Peter Schulz, da Unicamp, essas tensões estiveram presentes em todas as vezes que surgiram epidemias relacionadas a cepas mais antigas do coronavírus, desde 2000. Isso porque, ao oferecer informações atualizadas e conhecimento de ponta, a ciência apontou a necessidade de políticas públicas que não estavam entre as prioridades dos governantes. Muitas vezes, além disso, essas tensões são exponenciadas pela tendência de dirigentes populistas de se apropriarem de resultados preliminares de pesquisas para convertê-las em dogmas usados para desqualificar adversários políticos.

Entre nós, infelizmente, enquanto os cientistas continuam cumprindo seu papel, conscientes de que a divulgação de eventuais descobertas neste momento precisa ser criteriosa, Bolsonaro contesta o ministro da Saúde. Critica médicos que integram a equipe de seus adversários. E recorre a outros de sua confiança, para que façam afirmações sobre as quais ainda não há consenso científico.

 

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