Essencialidade: Decisão do TST é uma luz no fim do túnel

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO SINDICATO OPERÁRIO. INDEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPATÓRIA QUE VISAVA A IMPEDIR, NA AUSÊNCIA DE CCT EM VIGOR, A CONVOCAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE EMPREGADOS EM FERIADOS. SUPERMERCADOS E HIPERMERCADOS. AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO NO DECRETO 27.048/1949. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSIVIDADE NA DECISÃO CENSURADA. 1. Cuida-se de mandado de segurança em que o Sindicato operário investe contra o indeferimento de tutela antecipatória em ação civil pública, na qual pleiteia que a empresa ré seja compelida a abster-se de convocar e/ou utilizar empregados em feriados, diante da ausência de norma coletiva em vigor. 2. A Corte Regional concedeu a segurança, impondo à empresa a obrigação de não fazer vindicada, sob pena de pagamento de multa. 3. O mandado de segurança é a ação prevista no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, disciplinado na Lei 12.016/2009, visando a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data , quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. A concessão do writ está condicionada à demonstração de ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora e do direito líquido e certo do Impetrante. 4. De acordo com o art. 6º-A da Lei 10.101/2000, dispositivo legal incluído pela Lei 11.603/2007, ” É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição “. Entretanto, o precitado preceito legal não neutraliza a normatização anterior, veiculada na Lei 605/1949, cujo art. 10, parágrafo único, permite que o Poder Executivo, por Decreto, autorize o funcionamento de determinadas atividades empresarias nos feriados. E ao regulamentar a Lei 605/1949, o Decreto 27.048/1949 especificou os segmentos empresariais em que se permite o trabalho de empregados nos feriados, listando, no item II, nº 15, do Anexo, o comércio em ” Feiras livres e mercados, inclusive os transportes inerentes aos mesmos “. É certo que a Lei 11.603, de 6 de dezembro de 2007, acrescentou o art. 6º-A à Lei 10.101/2000, permitindo o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, quando houver autorização em convenção coletiva de trabalho e desde que observada a legislação municipal. Mais recentemente, o Decreto 9.127/2017 alterou a redação do mencionado item II, nº 15, do Anexo do Decreto 27.048/1949, autorizando o trabalho em dias de repouso nas atividades desenvolvidas em ” Feiras-livres e mercados, comércio varejista de supermercados e de hipermercados, cuja atividade preponderante seja a venda de alimentos, inclusive os transportes a eles inerentes “. Como se percebe, o sistema normativo estabelece que , para contar com o trabalho de empregados em feriados nas atividades de “comércio em geral” é indispensável a autorização em convenção coletiva, o que não sucede em relação a vários outros segmentos empresariais, enumerados no Decreto que regulamenta a Lei 605/1949, entre os quais o comércio varejista em supermercados e hipermercados, em que se prescinde da negociação coletiva, porquanto suficiente a autorização do Poder Executivo . Cabe lembrar que os critérios cronológico, hierárquico e da especialidade foram consagrados com o objetivo de suprir situações de colisão entre regras jurídicas, a partir da noção de que o direito, enquanto sistema, não tolera antinomias entre suas prescrições. Na situação examinada, sob a perspectiva do critério da especialidade (art. 2º, § 2º, da LINDB), a exigência de convenção coletiva de trabalho para o trabalho em feriados nas atividades de comércio em geral, conforme art. 6º-A da Lei 10.101/2000, traduz-se como disposição geral, que não infirma ou impede a eficácia da legislação especial que contempla o ramo do comércio em supermercados e hipermercados. Desse modo, a menos que se reconheça a existência de ilegalidade na disposição contida no Decreto 9.127/2017, não se poderá afirmar que a exigência de labor de empregados em dias feriados nos supermercados e hipermercados, independentemente de previsão em norma coletiva, é contrária à lei. Não há como enxergar, a partir da genérica previsão contida no art. 6º-A da Lei 10.101/2000, a existência de ilegalidade na modificação introduzida no Decreto 27.048/1949, por meio do Decreto 9.127/2017. Afinal, é preciso considerar que mais de duas dezenas de setores do segmento empresarial do comércio – por exemplo, varejistas de peixe, carnes, frutas e verduras; hotéis; hospitais; barbearias e postos de gasolina – já constavam da lista do Decreto 27.048/1949 como autorizados a funcionar em feriados, sem que se discuta, quanto a eles, a legalidade do exercício do poder regulamentar exercido pelo chefe do Poder Executivo. Cumpre assinalar, ainda, que não se deve interpretar isoladamente a norma do art. 6º-A da Lei 10.101/2000. Não significa preterição do referido dispositivo legal, mas de conferir interpretação sistemática, em conjunto com o art. 10, parágrafo único, da Lei 605/1949 e o art. 7º e o item II, nº 15, do Anexo do Decreto 27.048/1949, à luz dos postulados do valor social do trabalho, da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e da busca do pleno emprego (arts. 1º, IV, e 170, caput e VIII, da Carta de 1988). Afinal, num momento da história em que, segundo o IBGE, o desemprego atinge taxa de 13,1% da população economicamente ativa, com 13,7 milhões de pessoas desocupadas nos três primeiros meses de 2018, não parece razoável interpretar a legislação aplicável à espécie de maneira a dificultar o funcionamento dessa importante atividade comercial, criando, consequentemente, entraves para o preenchimento de postos de trabalho. Portanto, sem a pretensão de esgotar, em sede de ação mandamental, a discussão sobre o alegado direito ao não funcionamento dos supermercados e hipermercados quando ausente norma coletiva autorizadora, é certo que, sob o horizonte dos princípios e regras mencionados, não há ilegalidade ou abusividade na decisão censurada. Recurso ordinário conhecido e provido TST10 .(RO-22060-38.2017.5.04.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 16/05/2019).