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Insistência no erro

A má qualidade formal do Decreto 9.785/2019 é mais um exemplo do modo como o governo Bolsonaro trata até mesmo os assuntos que lhe são mais caros – com afoiteza

 

Notas e informações, O Estado de S.Paulo

27 de maio de 2019 | 03h00

 

Bolsonaro editou dois decretos alterando o chamado Decreto das Armas (Decreto 9.785/2019), que ampliou as possibilidades de posse e porte de armas no País. As mudanças ocorreram depois que se noticiou que, pelo texto original, até mesmo fuzis poderiam ser enquadrados como “arma de fogo de uso permitido”. Dava-se, assim, a qualquer cidadão o acesso a esse tipo de armamento, o que é um evidente disparate.

Um dos decretos fez correções formais no texto original. Segundo o Palácio do Planalto, o objetivo foi “sanar erros meramente formais identificados na publicação original, como numeração duplicada de dispositivos, erros de pontuação, entre outros”. A má qualidade formal do Decreto 9.785/2019 é mais um exemplo do modo como o governo Bolsonaro trata até mesmo os assuntos que lhe são mais caros – com afoiteza.

O outro decreto modifica 20 pontos do texto original, que foram identificados “a partir dos questionamentos feitos perante o Poder Judiciário, no âmbito do Poder Legislativo e pela sociedade em geral”, informou o Palácio do Planalto. Além de proibir a posse de fuzis e carabinas pelo cidadão comum, o novo texto estabelece, por exemplo, idade mínima de 14 anos para a prática de tiro esportivo, com a exigência de autorização de ambos os responsáveis. Na redação original, o esporte de tiro estava liberado para menores de 18 anos, o que incluía crianças, e exigia a autorização de apenas um dos responsáveis, pai ou mãe.

Mesmo com as correções, o Decreto das Armas continua sendo ilegal, já que continua desrespeitando o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Não é por decreto que se modifica uma lei. Se o Palácio do Planalto não considera adequada a legislação vigente, deve propor ao Congresso as alterações que julgar pertinentes.

A Lei 10.826/2003 é clara ao definir, por exemplo, que a autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido depende de o requerente, entre outros requisitos, “demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física”. O presidente Bolsonaro inverteu essa lógica, definindo por decreto, em plano nacional, quais atividades profissionais devem ser consideradas de risco. Ao fazer isso, exclui na prática a necessidade de comprovação da efetiva necessidade.

O que se vê é uma tentativa de corrigir efeitos colaterais dos excessos, mas não propriamente os excessos do Decreto das Armas. O resultado é uma regulação casuística e disfuncional, que mistura conceitos e reflete uma enorme confusão mental. Veja-se o caso dos residentes de área rural. No Decreto 9.785/2019, definiu-se que todo residente em área rural estava em situação de “ameaça à sua integridade física”, o que lhe daria direito, em tese, de requerer o porte de arma. Uma presunção tão ampla poderia gerar consequências desastrosas, levando a um generalizado armamento do campo e agravando ainda mais, por exemplo, os conflitos fundiários.

O modo como o governo Bolsonaro enfrentou o problema mostra que sua preocupação não é o cidadão comum e que ele não teme incorrer em discriminações para atender aos interesses de alguns grupos. O decreto retificador dispôs que se encontra em situação de ameaça à sua integridade física quem estiver “domiciliado em imóvel rural, assim definido como aquele que se destina ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, nos termos do disposto na Lei 8.629/1993, cuja posse seja justa, nos termos do disposto no art. 1.200 do Código Civil”. Simplesmente, não faz sentido que a posse justa da terra – assunto da esfera cível – condicione de alguma forma a proteção da integridade física do residente em área rural.

A posse e o porte de armas são assuntos de extrema gravidade, merecendo um cuidado normativo que até agora não se viu por parte do governo de Jair Bolsonaro. A retificação feita pelo Executivo é insuficiente, restando ao Legislativo fazer as correções necessárias.

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