19 de abril, 2024

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O manifesto da vertigem

Por Jorge Maranhão *

 

Recebo de uma querida amiga de São Paulo um manifesto de intelectuais,artistas e profissionais liberais afirmando que no governo de Bolsonaro “assistimos a uma escalada autoritária, refletida em uma sistemática tentativa de controle e cerceamento de várias instituições culturais, científicas e educacionais brasileiras, e aos órgãos da imprensa”. Para conhecer na íntegra o que chamo de “o manifesto da vertigem” vejam aqui.

Pois lembrei-me imediatamente do “documentário” ficcional “Democracia em vertigem” da cineasta petista mostrando uma versão do impeachment da presidenta Dilma que só ela viu com seu olhar para lá de enviesado. Um total desserviço ao país ao projetar no exterior como embate político-ideológico o que, na verdade, foi simples
associação criminosa com o fim de assaltar os cofres públicos, como demonstrado às escâncaras nos autos dos processos da operação Lava Jato.

Tudo isto me faz cada dia mais convicto de que o país não deslancha pela péssima qualidade moral de nossa intelligentsia, na qual predomina uma visão de mundo hegemônica esquerdista, onde a realidade é torcida, contorcida e distorcida de maneira a mais maníaca.

Senão, vejamos: Como exemplo da “escalada autoritária”, o manifesto desqualifica a campanha da associação Escola sem Partido que sugeriu que os alunos fizessem vídeos mostrando a doutrinação ideológica dos professores,
provocando insegurança no corpo docente de escolas e universidades, num país que saiu de uma ditadura militar opressora. Cabe a pergunta: por que professores se sentiriam inseguros com a publicidade do que pregam nas salas de aula? Houve ato de censura concreta do governo contra os professores? Há realmente consenso de que o país viveu uma ditadura militar opressora há mais de três décadas?

É mesmo “ultra-consevadora” a política de não permitir mensagens subliminares de “inclusão social” e “ideologia de gênero” em propaganda paga com o dinheiro público? Ou exercer o poder de nomear ou demitir gestores públicos de autarquias federais que se insubordinam contra às políticas públicas do governo que foi eleito exatamente para isto?

Vejam que dificuldade estes mesmos manifestantes, entre a fina-flor da “burritsia” de grande parte de nossos
artistas, cientistas, profissionais liberais e jornalistas, têm em admitir o contraditório entre suas doutrinas progressistas e esquerdistas e as dos simplesmente conservadores e liberais que subiram ao poder numa
aliança democrática e majoritária no país. Para intelectuais, somos ultra-conservadores, para artistas, somos reacionários para intelectuais e para jornalistas somos extrema-direita.

Por que não somos simplesmente conservadores, ou de direita? No caso do Verdevaldo x operação Lava Jato, chega a ser ridículo debitar na conta do governo uma resolução autônoma do Ministério Público que, como se sabe, não se trata de órgão de governo, mas de instituição independente do Poder Judiciário.

Assim como é ridícula a pseudo-argumentação de que o governo cometeu, em 2019, 208 agressões a órgãos de imprensa. Mais uma vez, confundem maliciosamente ato institucional de censura objetiva, como política de estado, com o direito à simples manifestação de opinião sobre a, esta sim, extrema-imprensa brasileira, infestada de socialistas envergonhados ou socialdemocratas de algibeira.

Quanto ao episódio infeliz do secretário de cultura pastiche de Goebbels, o que mais queria a oposição progressista, além da cabeça do mesmo? No entanto, há de se investigar o autor da iniciativa do contrabando da citação nazista e da armação da produção cenográfica do pronunciamento.

A nomeação da atriz Regina Duarte como a nova secretária de cultura é por si mesma uma demonstração de que o
governo é conservador e não fascista ou nazista como os esquerdistas vivem a vociferar.

E continua a toada esquerdista do manifesto quando acusa o governo de extremista, moralista e ideológico contra a produção cultural de cinema, livros didáticos, matérias jornalísticas de cunho progressista. Ora, quando vamos ter um debate sério sobre democracia como alternância de poder, no Brasil, e sobre o embate entre direita e esquerda, no
sentido de conservadores e progressistas, que se explicita hoje, não apenas aqui, como no mundo todo neste início de século, depois de uma hegemonia esquerdista de mais de um século?

Quando a nossa extrema-imprensa vai mesmo respeitar a vontade majoritária dos cidadãos eleitores do atual governo? Quando vai provar sua tão alegada imparcialidade jornalística com a abertura de seus espaços para articulistas e colunistas explicitamente conservadores?

E não só o sectarismo esquerdista, mas o vício pela mentira tão simplesmente, perpassa todo o texto do manifesto, quando toma como indiscutível, o acerto das políticas de cotas e de ação afirmativa dos últimos governos petistas, pautas cada dia mais discutidas em todos os países que as adotaram.

Ou as demais políticas de combate às queimadas na Amazônia, questionamento de legitimidade de líderes políticos e ativistas militantes que lutam pela preservação do meio ambiente, e que se acham detentores exclusivos da virtude na proteção da cultura e da preservação ambiental brasileira.

Quando desde o Marechal Cândido Rondon, no início do século passado, em plena primeira República, já se lutava pela defesa das comunidades indígenas e de seu habitat, que passou a ser a partir dos anos 20, iniciativa pioneira do Exército brasileiro, época em que o mundo sequer cogitava de consciência ambientalista, surgida apenas em 1972 com o Tratado de Estocolmo.

Afirmar que “o governo ignora a atuação paralela e criminosa das milícias, e a corrupção que prometeu combater, que seus ministros atacam as minorias e negam as demandas dos movimentos negros, indígenas e de minorias de gênero, como também ataca cientistas, acadêmicos e jornalistas toda vez que se sente ameaçado, tem
promovido drásticos cortes no orçamento para o desenvolvimento da cultura e educação, sem um plano de desenvolvimento para o seu povo”, é simplesmente mentira pois inverificável na dimensão da realidade factual.

É negar todos os índices de recuperação de uma economia destruída exatamente pela política corrupto-demagógica da esquerda. É negar os fatos mostrados e demonstrados pela operação Lava-Jato. É simplesmente negar a realidade histórica.Como tenho dito e repetido, trata-se do descompromisso ancestral do esquerdismo para com a verdade, a palavra e a honra, meros costumes “burgueses” que se deve descartar em função do grande projeto revolucionário de transformação da sociedade patriarcal em sociedade igualitária.

Quando proponho que aprofundemos o debate franco e honesto, isto implica em resgatar a história como registro de fatos e não como crônica de considerações doutrinárias. E veremos a raiz de todas as nossas mazelas e o nosso próprio impasse civilizatório na nossa vocação barroquista de trocar o real pelo ilusório, a verdade pela retórica, a
filosofia pelo sofisma, a prudência pelo desatino, a razão pela emoção, a moral pelos costumes, enfim, o fato real pelo seu mero efeito.

Aliás, nada mais barroquista do que o mal da vertigem, da tontura e sensação de desequilíbrio e desorientação, geralmente associada às labirintites pela literatura médica.

Por fim, e como de hábito na esquerda, o manifesto acusa o outro do que ele próprio é, pois não manifesta os manifestantes – ah providencial paradoxo barroquista! – que o assinam e obriga de modo autoritário, que assinemos também para saber quem mais assinou.

Pois, no escuro, desafio qualquer um dos manifestantes a um debate sério sobre a tese de meu livro acerca do diagnóstico cultural que faço para nosso impasse civilizatório: o barroquismo mental brasileiro. Em dia e local que quiserem.

 

*Mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”

FOTO: Reprodução/Netflix

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio

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